O último sábado deste Agosto. O tempo desfaz-se perante os olhos, o corpo não reage e o espírito, volúvel, olha para esse acontecimento ora com indiferença, ora com melancolia. Não tarda, a realidade estará aí armada com os seus imperativos inúteis. Os homens precisam de Deus, disse-me hoje o padre Lodo, quando nos encontrámos no café, por causa da inutilidade. Fiquei na expectativa do que viria dali. É belo este mar, disse-me. Olhe para ele e deixe-se levar pelo mistério. Eu respondi que sim, mas perguntei qual a ligação com a inutilidade. Nenhuma, ouvi. Fiquei calado, à espera. Então, ele continuou. Todos os nossos esforços, aqui sorriu, por maior que seja o seu êxito, estão condenados ao fracasso, a não ser que Deus exista. Veja os impérios, as grandes obras de arte, os mais agudos dos sistemas filosóficos ou mesmo os triunfos da Ciência. Onde estão Galileu, Newton, Einstein? Todos mortos. Nada do que fizeram tem para eles sentido, caso não exista Deus e os homens não possuam uma alma imortal. Disse-lhe que uma coisa não está ligada à outra. Podemos imaginar a existência de Deus sem a existência de almas imortais e, acrescentei em tom de provocação, também não é impossível a existência de almas imortais sem que exista uma divindade. Olhou-me com seriedade e prescreveu: deixe de brincar à lógica. A realidade tem razões que a lógica é incapaz de formalizar. Eu ri-me e perguntei-lhe a causa desta deriva matinal, de uma deriva para a metafísica ao gosto popular. Não se fez rogado e retorquiu: a voz do povo é a voz de Deus. Não me contive e respondi que então Deus deve andar mal-humorado. Claro que anda, ouvi. Tem razões de sobra para isso. Como também eu estava mal-humorado e a metafísica não me interessa nas horas da manhã, mudei de assunto, para um interesse comum. Acordámos um jantar num dos sítios que merece o culto dos homens e senão de Deus, pelo menos dos deuses da Antiguidade. Há que começar as despedidas deste Agosto.
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