Volto para casa. Há quem meça a distância de uma viagem em quilómetros, há quem o faça em tempo de deslocação. Neste caso, prefiro em graus de temperatura. A quantos graus estará a terra onde me acolho nessas épocas do ano em que tenho de enfrentar a realidade? Chega a estar a vinte graus de distância. Não será o caso de hoje, mas mesmo assim serão alguns. Não fiz a caminhada matinal, espero compensá-la com uma nocturna. Não haverá mar, nem molhe, nem gaivotas. Há sempre uma diferença abissal entre os livros que se trazem para férias e aqueles que se lêem ou que seria possível ler, no melhor dos mundos possíveis. Agora, há que arrumá-los para transporte e, depois, colocá-los nas estantes. Aos livros que trouxe, acrescentei outros comprados, entretanto. A cada um as suas adicções. Como todas as adicções, também estas significam subtracções ao orçamento, mas a vida é o que é. Um dos que comprei é a Obra Completa de José Marmelo e Silva. Uma obra que cabe num único volume de setecentas e poucas páginas. Os responsáveis pela edição deram-lhe um estranho título Não aceitei a ortodoxia. Um tributo à recusa do autor em se deixar esmagar pelo horizonte ideológico do neo-realismo e aos conflitos entre estes e os presencistas. Nisto haverá, apesar da excelência académica dos organizadores, um equívoco. A arte nada tem que ver com a querela sobre a doxa (opinião). Não se trata de se ser ortodoxo ou heterodoxo. Isso será um problema teológico, mesmo que a teologia tenha por deus a arte. Esta não tem relação com a opinião. Para Platão, havia um conflito entre doxa (opinião) e episteme (ciência). A arte pertencia a outra realidade. Aliás, mal vista pelo filósofo. Acabam com estes pensamentos os dias inúteis. Amanhã, a utilidade tomará posse do meu tempo, o que me dá a esperança de que passarei a ter pensamentos úteis.
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