Uns dias de silêncio são um exercício de jejum. Este, em tempos, fazia parte da vida religiosa e os crentes praticavam-no não tanto por fé ou por tradição, mas por hábito. Depois, descobriram que também os hábitos se podem mudar e alguns com demasiada facilidade. Nem todos serão uma segunda natureza. Serão poucos os jejuadores por motivos de religião. Surgiram outros, também eles motivados pela fé, a fé na saúde do corpo, na produção de uma aparência que, mesmo que não seja bela, não envergonhe. Dito de um modo menos prosaico, antigamente, jejuava-se habitualmente por crença na transcendência; hoje, por crença na imanência. Isto não está a correr bem. Talvez os dias de jejum não me tenham melhorado as ideias. Diante de mim tenho uma série de medicamentos comprados há pouco. Olho para eles e é grande o meu desconsolo. Nenhum serve para encontrar assuntos que valham a pena escrever sobre eles. É possível que este narrador seja um niilista e escreva sobre o nada. Quando escrevo a palavra niilista noto sempre, no fundo da minha alma, uma sombra. O português deveria ter conservado o h latino. A palavra ficava muito mais elegante e, além disso, é possível que ser nihilista seja muito diferente de ser niilista. Eu não sou cultor da caligrafia, da grafia bela, do grego kalligraphía. Confesso, porém, que quando se arrancam letras às palavras estas sofrem e tornam-se feias. Como é possível não ver que ação não passa de uma acção atrofiada e feia? Em Portugal existe há muito uma conspiração contra a beleza das palavras e tanto quanto percebo, os conspiradores nunca jejuam, nem à sexta-feira.
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