Tarefas urgentes, embora não ingentes, chamaram-me ao remanso do lar, com um corte no fio das férias. Cheguei aqui e encontrei o Verão, que, por lá onde eu estava, se tinha perdido. O encontro, todavia, não foi coisa que me agradasse. Oiço em mim uma voz dizer, não sem escárnio, que não deveria ter escrito, tão avizinhadas, as palavras urgentes e ingentes. Isso, essa repetição sonora não se coaduna com a limpeza da prosa. Estraga o estilo e o estilo, como há muito se sabe, é o próprio homem. Rimas, assonâncias e aliterações são truques de poesia. A prosa quer-se limpa de repetições. Pois, respondi a mim mesmo, acrescentando: de facto as tarefas são urgentes, mas não ingentes. Se acreditarmos no conde de Buffon, o estilo é a expressão do indivíduo e do seu carácter. Podemos pensar: um mau estilo, um mau carácter; um bom estilo, um bom carácter. Ora, o que acontece é que excepcionais estilistas são dotados de péssimo carácter e vice-versa. O melhor é não acreditarmos no conde, fruto de uma época que estava subjugada pela descoberta do indivíduo. James Ussher, arcebispo de Armagh, publicou no século XVII uma obra – The Annals of the World – em que determinava, através da análise bíblica, que o mundo tinha sido criado por Deus 4004 anos antes de Jesus Cristo. Ora, Bouffon, a partir das suas experiências laboratoriais, defendeu ser isso impossível. A Terra teria, na altura, 75 mil anos. Há uma diferença substancial entre o erro de Ussher e o de Bouffon. O primeiro procurou no lugar errado. O segundo abriu o caminho para a descoberta da verdade. Essa diferença não tem a ver com o estilo, mas com o lugar de onde e o lugar para onde olham. Ora, esses lugares de onde se olha são muito mais que a cabeça do indivíduo que olha. São comunidades onde se juntam olhadores para orientarem os olhos numa certa direcção. Agora, vou-me dedicar à urgência das tarefas não ingentes.
Sem comentários:
Enviar um comentário