Este antigo hábito do almoço tardio aos domingos parece imutável. Isso virá de um tempo em que os domingos eram dias sagrados. Não se entenda por sagrado um dia em que se cumprem os rituais religiosos obrigatórios para os católicos romanos. Significa uma sacralidade mais ampla, pois não era um dia de negócio, mas também não era de ócio. Nele estava incrustada uma diferença com os dias úteis, aqueles onde, movidos pela estrita necessidade, se nega o ócio. Imagino que o que se cultuava então era a pura liberdade de dispor do seu tempo. Daí, os almoços terem deslizado para horas tardias. Isso não ajuda ao culto da moderação. Não poderei dizer como Anatole França, em A Ilha dos Pinguins, faz dizer a Virgílio, Sou sóbrio: uma alface e algumas azeitonas, com uma gota de falerno, compunham toda a minha alimentação. Não é que não seja sóbrio, mas a alface não me atrai e as azeitonas não me caem bem. Continuo a preferir comida um pouco mais substancial. Também não bebo o vinho de Falerno, mas, neste país, não faltam alternativas. Virgílio – ou o Virgílio de Anatole France – contrapõe a sua ascese à dos cristãos. Estes, pensava ele, abstinham-se de alimentos e evitavam as mulheres por amor à privação, expondo-se voluntariamente a inúteis sofrimentos. Ele, pelo contrário, refreava os seus desejos por disciplina e satisfação própria. É possível que Virgílio assim pensasse. Também é possível que ele, na outra vida – pois é na vida após a morte que Anatole France coloca o diálogo de Marbode com Virgílio, que morrera dezanove anos antes do nascimento de Cristo – não tivesse compreendido o quão próximos de si estavam os seus cristãos, isto é, aquilo que ele imaginava, no lugar onde vivia a sua morte, serem os cristãos. Ambos faziam da ascese, seja ela sobriedade ou privação, um acto da vontade, uma afirmação de si mesmos, pela negação do prazer transbordante. O poeta da Eneida não terá percebido a natureza do cristianismo, mas poderia ser, claramente, um homem do Renascimento e mesmo um moderno. Tudo isto a propósito dos almoços tardios de domingo. Agora, vou tratar do vinho. Não de Falerno, mas de Monção e Melgaço, feito com uma casta que os deuses, talvez o próprio Baco, esqueceram por aquelas terras sagradas.
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