Ainda não eram oito horas da manhã e já estava na rua em plena caminhada. O problema foi o vento. Uma grande nortada. De tal modo que não me atrevi a ir ao molhe, não fosse o Eolo confundir-me com uma gaivota e enviar uma rajada que me pusesse a voar. Pode ser inimaginável eu voar, mas aos deuses, ao contrário dos homens, tudo é possível. Timorato, não arrisquei e mantive-me longe das águas. Um sopro esfuziante saía da boca do deus. A língua tem mais segredos que qualquer Estado onde tudo é segredo de Estado. Como é que a palavra esfuziante significa deslumbrante ou muito alegre e tem na sua raiz a palavra fuzil? Sim, fuzil, de onde fuzilar. Esfuziar significa zunir ou sibilar como balas de espingarda. Era isso mesmo que a nortada fazia aos meus ouvidos. Daí, estar esfuziante, embora eu não achasse a situação nem deslumbrante nem alegre. Também o termo esfuzilar combina em si significações díspares, para não dizer disparatadas. Significa fuzilar e cintilar. Há na língua sinais de uma realidade tétrica que nós nem damos por isso. Que coisas terríveis terão acontecido para que fuzilar seja uma coisa cintilante, se não mesmo deslumbrante? É evidente que se se consultar a palavra fuzil encontramos um caminho para explicar tudo isto. Significa espingarda, mas também relâmpago. As balas saídas das espingardas relampejam, cintilam. As emissárias da morte têm tanta luz que deslumbram. O melhor é não olhar para elas.
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