Abril nasceu tristonho e enfadado, talvez não venha a ser um mês de águas mil, disse para mim. Almocei cedo e mal me sentei à secretária adormeci. Acordei estremunhado e com uma dor no pescoço. Neste momento, o sol rompeu a muralha de nuvens e brilha, mas elas reconstituem as linhas de defesa, não tarda o céu estará de novo todo cinzento. De manhã, antes de entrar na padaria, apanhei alguma chuva, coisa de pouca monta. Não havia muita gente, mas as operações com o pão tornaram-se, naquele espaço, um ritual, oficiado por uma sacerdotisa, que me fez demorar mais do que pensava. Enquanto esperava e me afundava na demora, ia olhando os gestos, à procura de algum símbolo que me indicasse o caminho da redenção. A fracção do pão, porém, era feita numa máquina e não descortinei nada que me fizesse suspeitar de estar perante a simbólica de uma ordem resgatadora. Entrego-me a este fenomenologia, descrevo os actos da consciência, à procura das coisas mesmas, pois se não estiverem na minha consciência, onde estarão elas, as coisas mesmas, pergunto-me. Oiço alguém afirmar que sofri uma viragem idealista, mas encolho os ombros e bocejo, pois num futuro próximo haverei do sofrer uma viragem realista. A Primavera parece consolidada. Existem já múltiplos chilreios, oriundos de aves de espécies diferentes. No outro dia, pousado no murete de uma das varandas, estava um melro. Quando me aproximei, fugiu, deixou o espaço vazio. Não faltam estorninhos. Mais ao longe, quase sempre aos pares, voam corvos, mas esse é já outro reino. As ruas transpiram, dos seus poros sai um sábado de província, onde me acolho para olhar a linha do horizonte.
Sem comentários:
Enviar um comentário