Hoje desloquei-me um pouco mais para o interior, não muito, nem vinte quilómetros, mas o país já é outro. Acabei por almoçar naquele lugar, num restaurante tipicamente de interior. Nada de aparências ou comidas europeias, mas uma casa decente, empregados preocupados com o ofício – isto é, com os clientes – mesas com toalhas e guardanapos de um branco imaculado, uma boa carta de vinhos e uma comida portuguesa bem feita. Os comensais são muito distintos daqueles que se encontram nos restaurantes da moda em Lisboa, por exemplo. Uma burguesia provinciana, em que ainda se nota traços de uma vida rude, mas onde o aroma do dinheiro começa a apagar as cicatrizes dos tempos difíceis. Quanto mais se progride para o interior, maior é o número deste tipo de restaurantes, casas sólidas, de onde não se sai defraudado, pelo contrário. Isto não significa que em Lisboa ou no Porto não existam restaurantes provincianos, com a mesma cultura expressa na carta de vinhos e na qualidade da ementa. Existem e também não se sai defraudado. Contudo, a ambiência trazida pelos clientes é diferente, mais cosmopolita, com menos traços de uma vida rude, talvez por ser mais antiga. Contudo, uma saudade, que os próprios ignoram, leva àqueles lugares como peregrinos de um deus desconhecido. Enchem as mesas como resposta a um impulso arcaico ou para exercerem uma actividade de arqueólogos que, com garfo e faca, escavam memórias ancestrais desconhecidas. Para o que me havia de dar hoje.
Tem razão. Por vezes não precisamos de nos deslocar mais de meio km para mudar tudo. Não é um restaurante com toalhas de um branco imaculado, é antes uma taberna, cheia de bêbedos apaziguados, antecâmara da mercearia do lugar. Gosto de lá ir, quando os bêbedos não estão logo à porta, que é mais fácil de atravessar. Tem, à direita, produtos da terra, ao centro, legumes e frutas, à esquerda uma garrafeira, que é cada vez melhor, mas que não é para os copos dos autóctones do hall de entrada. O empregado é novo ali, magro e enfezado, moreno e com muitos tiques. Simpatizo com ele. Antes de me atender, pega no garfo e ataca uma travessa de salada fria, provando a eito. Está bom, diz, ao colocar de novo o garfo na travessa, *Ó Mnemósina, Rainha, como tu vives encerrada!*
ResponderEliminarO caso do rapaz magro e enfezado que pega no garfo para combater magrezas e enfezamentos é uma prova de que a ASAE não é omnisciente nem omnipotente, tão pouco está em todo o lado.
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