segunda-feira, 24 de abril de 2023

Citações

Tenho ideia, uma vaga memória, de que terá sido por um CD de 1994 que entrei no universo do compositor polaco Krzysztof Penderecki. Trata-se de uma recolha de peças, com destaque para Threnody to the Victims of Hiroshima, De Natura Sonoris ou Canticum Canticorum Salomonis. São peças, todas elas, de grande densidade, como se fossem o eco da tragédia que impregnou o século XX. Oiço agora esse CD e penso que, se alguém der por isso, julgará que enlouqueci. Se me acusassem de ter entontecido, eu responderia que era falso e leria alto o poema: Esclarecendo que o poema / é um duelo agudíssimo / quero eu dizer um dedo / agudíssimo claro / apontado ao coração do homem // falo / com uma agulha de sangue / a coser-me todo o corpo / à garganta // e a esta terra imóvel / onde já a minha sombra / é um traço de alarme. Depois de escrever o poema da Luiza Neto Jorge, pensei que não me livraria da acusação, que o acusador haveria de repetir que a minha sombra / é um traço de alarme. E ficaria ele mais alarmado, enquanto a trenódia – ou será tronodia? – se eleva e me toca o fundo do coração, com o qual oiço o canto lamentoso que clama na voz silenciosa dos mortos.

10 comentários:

  1. Uma citação de Mahler, que parece contradizer o conde Salina:
    “Tradition is not the worship of ashes, but the preservation of fire.”

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    1. Também pode acontecer que o que diz Mahler seja adequado ao campo da música, da arte, e o que diz Salina seja adequado ao campo do matrimónio, a não ser que este se torne numa arte.

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    2. Mas tem alguma dúvida? O casamento é uma longa conserva, como disse Nietzsche. E saber ter uma longa conversa é uma forma de arte.
      [Mas também pode ser arte rupestre].

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    3. Não tenho dúvidas sobre a arte da conversa, mas a analogia com a arte tem consequências funestas para a instituição casamento. Sá há arte se houver artistas. Ora, estes serão sempre a excepção e nunca a regra.

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    4. Desculpe, parece-me o contrário, na maioria dos casos é o casamento que desprestigia a arte. Os artistas são sinceros, desde que não sejam subsidiados. E, por isso mesmo, há tantos consórcios / divórcios (isto é uma blague). Todos os casamentos são uma representação, na maioria das vezes com maus artistas. Por exemplo, partir um prato, parece-me lícito, desde que não seja de Companhia das índias.

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    5. O que eu queria dizer era apenas que se o casamento é uma arte, então ele será um acontecimento excepcional, o que está ao alcance apenas de alguns. Isso é funesto para a instituição casamento.

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    6. Sim, é funesto, mas redentor.

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    7. Como instituição social, o facto não tem nada de redentor. Para algumas vidas privadas, sim.

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    8. Concordo consigo. Mas, se por exemplo, alguém que amamos puder ficar melhor, mais confortável, por nos estar, legalmente, próxima?
      Porém, não consigo ver o casamento como instituição social.

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    9. Como muitas outras coisas, o casamento sofreu um enviesamento subjectivo, talvez derivado do romantismo e que na Europa ocidental sofreu um incremento com as ondas de choque do Maio de 68. Contudo, o casamento é (ou era), em primeiro lugar, uma instituição social objectiva, regulada por contrato, e também um instrumento de alianças políticas, sociais ou económicas. É esta dimensão objectiva que está erodida, erosão que atinge mesmo o casamento religioso, que supunha um contrato objectivamente válido para a vida. A formulação que faz (se por exemplo, alguém que amamos puder ficar melhor, mais confortável, por nos estar, legalmente, próxima) é bastante interessante, pois sublinha a deriva subjectiva, já que a legalidade é invocada em nome do conforto de uma ou das duas partes e não como algo que tenha um valor em si mesmo, que seja sentido como uma obrigação e forma de constituir e regular a família.

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