Chegou a segunda-feira e com ela a realidade. Como se pode tratar com uma coisa tão intratável como a realidade? Talvez existam duas maneiras possíveis. A da raposa e a do ouriço. Entre mais ou menos 680 aC e 645 aC, viveu na Grécia um homem chamado Arquíloco, nascido na ilha de Paros. Era guerreiro e poeta lírico. Talvez tão famoso, nesses tempos, quanto Homero. É ele que escreve: A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma muito importante. Isaiah Berlin, nos anos cinquenta do século passado, para falar acerca da visão histórica de Lev Tolstói escreveu, inspirado no poeta grego, a obra O Ouriço e a Raposa. Já no século XXI, Ronald Dworkin publica Justiça para Ouriços. Temos um confronto entre duas formas de sabedoria. Aquela que assenta num vasto acervo de informações, a da raposa, e aquela que se funda no conhecimento de uma coisa essencial. Este narrador, tal como o autor o projectou, não passa de uma raposa, ou de um candidato a raposa. Sabe muitas coisas, mas nenhuma fundamental. Uma das suas frases de auto-análise favoritas é: sei uma quantidade enorme de coisas inúteis. Ao que poderia acrescentar: mas não sei nenhuma que valha a pena saber. Ora, como lidar com a realidade quando se tem alma de raposa e não de ouriço? Este é um problema. Outro pode formular-se do seguinte modo: pode a raposa, um dia, tornar-se em ouriço? Aqui entramos em Ovídio, o poeta das Metamorfoses, e na plausibilidade de que uma coisa se transforme numa outra. Consta que os alquimistas acreditavam na possibilidade de o chumbo devir ouro, mas nunca provaram a crença. Será possível, por manipulação genética, transformar raposas em ouriços? Todo este texto, claro, foi escrito no registo da raposa ou, para ser mais exacto, de candidato a raposa. Ninguém pode deixar de ser o que é.
A mais real de todas as realidades: matámos hoje um ouriço por sabermos muitas coisas, e sabermos, melhor que ninguém, que aquele maravilhoso ouriço *merecia* morrer.
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