quinta-feira, 13 de abril de 2023

Um saber infinito

Dia de ida ao ortopedista, não a um qualquer, mas ao que é especialista em pés e tornozelos, imaginando eu que ele já pouco saberá do joelho e nada do fémur. Ainda há dias, uma pessoa me dizia que se andava a tratar com um ortopedista devido a um problema nos ossos da mão e que se queixou também de uma dor no ombro, ao que o médico respondeu que de ombros nada sabia e lhe indicou um especialista em ombros. Constato, não sem ficar maravilhado, que na medicina nos aproximamos daquele momento onde o conhecimento atingirá a sua máxima potencialidade, isto é, quando se tiver um saber infinito acerca de absolutamente nada. O médico é um rapaz da idade dos meus filhos, não me atendeu excessivamente depois da hora marcada e gostei da estratégia retórica usada. Perguntou-me ao que ia, disse-lhe que era por causa de um calcanhar e que levava já umas radiografias e uma ecografia. Não se mostrou muito interessado. Perguntou-me há quanto tempo padecia do que estava a padecer, lá lhe respondi como fui capaz. Pediu-me para ver o pé, manipulou-o, deu-me indicações para esticar a perna, o pé, sei lá mais o quê. Acabada a sessão prática, disse que a coisa era tratável, mas um bocado chata. Olhou para os exames que eu levava, mas continuou a não demonstrar grande interesse. Então, chegou a hora da aula de anatomia. Com um modelo de um pé reduzido aos ossos explicou-me o que estava a acontecer, eu ia dizendo que sim, que percebia, embora quando ele referia o nome do terceiro músculo, pois estes também entram na equação, eu já não me lembrava do nome do primeiro. Isto, pensei, é um acordo tácito. O papel dele, enquanto jovem médico actualizado, é explicar ao paciente com pormenores científicos aquilo que se passa e o meu, enquanto doente, é fingir que me interesso pelo assunto e que percebo a explicação. Só espero que, se um acaso da vida, tiver de lhe explicar a diferença entre juízos analíticos e juízos sintéticos a priori, ou entre um modus ponens e um modus tollens, ele também finja interesse e compreensão. Feito e explicado o diagnóstico, entrou pela porta do tratamento. Nada de medicamentos nem idas à fisioterapia. Apenas realizar uns exercícios de manhã e à noite que ele exemplificou e me fez fazer. Explicou que batotas devo evitar e fez um prognóstico de umas seis semanas para ficar bom. Caso a profecia falhe, então que faça uma ressonância magnética tibiotársica, mas só nesse caso. Que não me ponha a ressonar magneticamente sem necessidade.

5 comentários:

  1. A Coxiella burnetii deixou o Treponema pallidum.

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  2. Teria sido uma separação bacteriologicamente pura? Tendo-me informado sobre a natureza das personagens (a internet é uma grande coisa), a sua combinação num mesmo hospedeiro teria efeitos graves, se não letais, para o que se predispõe a oferecer o corpo como albergue do casal.

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    1. Gravíssimos. Não consigo imaginar uma vítima de Lou Andreas-Salomé e Nietzsche ao mesmo tempo. Só um casamento.

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    2. Bem, talvez Nietzsche tenha sido vítima dele e dela.

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    3. Talvez falte o vírus Wagner. O vírus é sempre aquele que nos faz pensar sobre a *Amizade nas estrelas*.

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