Desconfio que tenho uma certa fixação em efemérides, pequenas efemérides, daquelas que asseguram a banalidade do mundo e a trivialidade da vida. Hoje, cumprem-se 2/3 de Abril. Daqui até Maio há apenas mais dez dias. Será isto tão relevante que mereça que se lhe dedique alguns segundos? Claro que é, pois toda a existência, e não apenas a humana, é composta por coisas sem importância, mas que são necessárias. Celebro a necessidade neste culto das efemérides que é também um tributo ao efémero. Uma aplicação que me controla o exercício diário veio a terreiro informando-me, não sem benevolência, que, para cumprir as metas diárias, me faltam 742 passos e seis pontos cardio. Penso que talvez, mais logo, quando o calor entrar em depressão, farei os possíveis para satisfazer o aplicativo. Agora, deixo-me levar pela música de Carlo Gesualdo. Nunca deixa de me fascinar a obra deste príncipe de vida negra. Se tivesse de escolher uma época musical, não seria o barroco, nem o classicismo, nem o romantismo, nem a música contemporânea. Instalar-me-ia na música da Renascença e pensaria que tinha chegado ao paraíso. Um paraíso transitório, um oásis entre os tempos antigos e os tempos modernos, onde tudo estava a acabar e tudo estava a começar. Imagino que os paraísos sejam sítios onde, ao mesmo tempo, tudo acaba e tudo começa. Isto, porém, são fantasias de um narrador desocupado.
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