domingo, 10 de dezembro de 2023

Na aldeia

Depois de uma viagem ao mundo colonial trazido por Joaquim Paço d’Arcos, entretenho agora as insónias com uma viagem por Madona, de Natália Correia, uma visita – pelo menos de início – ao mundo alternativo da parisiense rive gauche, no pós-segunda guerra mundial, onde, supostamente, Sartre oficiava um culto a não se sabe bem o quê, e no qual alguns portugueses se tingiam de modernidade, que haveria de ser usada na pátria para encontrar distinção e sublinhar a boçalidade daqueles que o acaso ou as possibilidades não conduziram à capital francesa. Não será improvável, tendo em conta o que já li no romance, cerca de um quarto, que tudo acabe em querelas domésticas, passadas na província, num mundo onde ninguém ouviu falar de Sartre e da rive gauche, nem de náuseas, ou sequer do velho spleen baudelairiano, bem anterior à náusea existencial. Em novo, por certo, eu terei cultuado esses heróis de outras gerações que viveram esses anos de perdição. Hoje, porém, dou graças por a vida ter-me poupado a esses destemperos e a ilusões que só poderiam lembrar ao génio maligno do senhor René Descartes. Apesar de velho, nasci demasiado tarde para poder imaginar sequer a minha pessoa a deambular pelas caves, onde o jazz se europeizava. Sento-me, em silêncio, e vejo correr o rio da minha aldeia, que não é aldeia, mas uma cidade que parece uma aldeia. E nisso está toda a minha felicidade, enquanto leio os poemas de Alberto Caeiro e vejo neles toda a verdade deste mundo, mesmo que seja apenas a verdade desta hora de domingo em que escrevo isto.

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