Ao passar hoje por uma FNAC, descobri que tinha sido editado um primeiro volume da poesia completa de Pedro Homem de Mello. Também está disponível a poesia completa de Natália Correia. Não comprei nenhum, mas é uma questão de tempo. Há um mistério que não consigo decifrar. Portugal é um país onde poucas pessoas lêem. Se se trata então de poesia, o número será ínfimo. Contudo, o negócio das obras poéticas completas parece ir de vento-em-popa. Por norma, são edições cuidadas, capas cartonadas, preço elevado. Ouve-se, por vezes, dizer que os poetas só são lidos por outros poetas. Se isto é verdade, então somos mesmo um país de poetas. Fossem os portugueses menos dados às musas e não haveria tanta poesia completa à venda. O mais importante, porém, é que resisti estoicamente e não comprei um único livro. Troquei a adicção pela ascese. Entrei puro e saí casto. Também é verdade que já hoje tinha ido aos CTT levantar uma encomenda onde constavam os três volumes da Trilogia do Cairo, de Naguib Mahfouz, Thomas o Obscuro, de Maurice Blanchot, e o nada literário Ensaio sobre as Liberdades, de Raymond Aron. Vou aqui abrir uma excepção à estrita regra de abstenção nestes textos de qualquer referência à política. Uma citação do livro de Aron. Quem acompanhou de perto a rivalidade de partidos na Câmara dos Comuns não deixará de admitir que os ritos parlamentares, com a sua estilização tradicional, são efeito de uma arte política que, devido a uma sabedoria profunda, reconhece a necessidade do artifício para dominar as paixões, tolerando uma expressão simbólica delas. O interesse da frase vai muito para lá da política e entra no domínio da arte. Como se dominam as paixões? Através do artifício artístico, o qual constrói uma expressão simbólica dessas paixões. Estamos perto da catarse aristotélica promovida pela tragédia. A poesia, como forma de arte, é então um artifício onde se expressam e se dominam as paixões. E quem terá traduzido o livro de Aron para português? Algum sociólogo ou algum filósofo, dir-me-ão. Falso, respondo. Foi Ruy Belo. Tudo isto significa que parte dos portugueses, talvez ínfima, mas ainda assim comercialmente significativa, se entrega a esse exercício de dominar, enquanto expressa, as suas paixões. As do corpo e as da alma. Talvez a poesia não passe de um herbário passional, um lugar, na realidade fúnebre, pois os herbários são sítios onde se colecciona o que está morto, um sepulcro de paixões extintas.
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