quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Traduções

Tenho diante dos olhos uma tradução de poemas de Rainer Marie Rilke. O mais certo é a poesia ser intraduzível. Não se trata de transpor sentidos, mas sons e ritmos. Imaginemos uma música universal. Ela é o rumor da Terra ou o murmúrio das esferas celestes. Os poetas captam essas ondas sonoras e a poesia nasce na fronteira que separa essa música e a fala. Então, a poesia é o exercício de uma dupla contaminação, a da música que contagia a fala numa certa língua e a da fala de uma certa língua que infecta a música primordial. Em cada poema entramos no domínio de uma patologia, de uma paixão. Ora, nem a doença que sofro nem a paixão que vivo são transmissíveis a terceiros. São propriedades minhas, propriedades intransferíveis. É esse o problema da tradução de poemas. Por certo, pode haver versões de poemas, mas são sempre outra coisa, na melhor das situações outros poemas, como bem compreendeu Vasco Graça Moura ou Herberto Helder. Em nenhum caso, porém, um não poeta deve pôr-se a traduzir poesia, pois aquilo que sai não é uma tradução e tão pouco um novo poema. E com esta diatribe contra os tradutores não poéticos de poesia chego a esta hora. Ainda é de dia, mas por pouco tempo. Espera-me uma caminhada para acumular passos e pontos cardio. Primeiro, porém, vou assaltar o bolo rainha que vi lá para dentro e depois enfrento o vento norte, com a esperança de queimar calorias.

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