quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Ensaio sobre a noite

Há muito que não via anoitecer na capital, não numa dessas capitais do tremoço, da castanha pilada, do rabanete ou do chouriço, as quais abundam por esse país, onde não há lugarejo que não seja capital de alguma coisa, mas na capital verdadeira, aquela que foi capital de um império e agora é a de um país que, na ponta mais ocidental da Europa, parece precipitar-se para o oceano. O problema do anoitecer numa capital é que os prédios se interpõem entre o observador e o céu de onde cai a noite. Uma pessoa é surpreendida. Na província, numa província plenamente provinciana, o cair da noite oferece-se ao olhar contemplativo daquele que a espera. Não entra furtiva pela casa dentro, como um ladrão que viesse roubar a luz dos nossos olhos, mas como um convidado que se faz anunciar atempadamente, dando-nos tempo para o esperar e lhe dar as boas-vindas. Isto significa que a mesma noite não é idêntica no seu ser moral. Nas grandes cidades, ela não passa de uma entidade delituosa, enquanto na província é um anjo benfazejo. Onde estou, existem três cães. São cães citadinos, daqueles que são passeados à trela pelas ruas. Mantemos uma relação de justa distância, eles no seu território e eu no meu. Eles esboçam para mim um pedido de amizade, mas apenas lhes prometo que não seremos inimigos. O pior é que ressonam, talvez julguem que a noite é toda ela para dormir, eles que nunca pensaram sobre a noite, nem sabem distinguir a capital da província.

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