Alguém diz Sem dúvida, o futuro será sombrio. Eu oiço o que é dito. Melhor, eu não oiço o que é dito, mas vejo o que está escrito. Talvez a pessoa que escreveu tal coisa não a diga. Imagino que nunca ninguém terá pensado nessa possível dissonância entre dizer e escrever. Imaginemos uma pessoa que, ao falar, diz certas coisas, mas que ao escrever se recusa a transpor por escrito as suas crenças orais. Quando escreve afirma coisas diferentes ou mesmo contraditórias. Todos tentamos unificar o ser que somos ao falar e aquele que somos ao escrever, mas será que somos o mesmo quando falamos e quando escrevemos? Imagine-se um académico. Quando faz uma conferência defende um certo ponto de vista sobre um dado assunto. Quando, porém, escreve um ensaio sobre esse mesmo assunto, propõe coisas radicalmente diferentes. A especulação desviou-me do tema que aqui me trazia. Como poderá alguém não ter dúvidas sobre a natureza sombria do futuro? O futuro, digo eu, não será sombrio, nem luminoso, nem negro. O futuro não existe, nunca existiu e nunca existirá, enquanto o tempo for aquilo que é. Eu nunca estarei no futuro, nem nunca estive no passado. Estive sempre no presente e, enquanto este se move, eu desloco-me com ele, que nunca me deixa abandoná-lo, e eu, por mais que tente, nunca consigo fugir-lhe. O resto são memórias e expectativas, mas nem uma coisa nem outra são tempo. Estas duas insanas especulações resultam de ter tido, malditas memórias, uns dias atribulados, preenchidos com tarefas que não contribuirão para a gesta que me há-de elevar à glória. Agora, essa casa de onde nunca saio, vejo um rosto feminino. Dos olhos abertos, deslizam duas lágrimas. A gravidade, todavia, é mais forte numa face do que na outra. Uma lágrima desliza mais rapidamente e aproxima-se já dos lábios. A outra parece parada sob a pálpebra. Eu fico a contemplar, numa revista, aquela estranha exposta numa fotografia a preto e branco. De súbito, encontrei nela uma inquietante semelhança com Eduína. Talvez os olhos abertos, talvez os lábios desejáveis, talvez a expressão de perplexidade, talvez o corte de cabelo. Se existisse passado, eu poderia dizer fui visitado pelo passado, mas não existe e eu não o digo.
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