sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Agora

Neste momento, onde me encontro, tenho um único livro em papel à mão. Não é um livro recomendável, nem o é o seu autor. O livro compila um discurso de 4 de Janeiro de 1849 e a troca de correspondência entre o autor e o Conde de Montalembert. No início do discurso, depois do protocolar Meus Senhores e de mais umas quantas frases, referindo-se a um discurso anterior que seria o epílogo de um outro epílogo, e este era o epílogo de todos os equívocos que foram inventados durante os últimos três séculos e que trazem inquietadas quase todas as sociedades humanas de hoje. Este tipo de crença é extraordinário, pois supõe que antes destes três últimos séculos não se tinham inventado de maneira sistemática equívocos, além de supor que as sociedades anteriores teriam menos razões de inquietação. Tudo isto faz parte do combate político no congresso espanhol de então, coisa que não me interessa. Todavia há uma prova da incapacidade humana para olhar o passado, imaginando-o um tempo superior ao presente, mesmo que o presente já tenha três séculos. Todas as inquietações que eu vivo, mesmo sendo apenas um narrador, isto é, uma figura literária, todas as inquietações que eu vivo, repito, são presentes, pois não nos foi dada a capacidade de viver as inquietações de um passado onde não existíamos. A este tipo de crenças chamam-se involucionistas. Crêem, consciente ou inconscientemente, que o início da vida do homem na Terra foi esplendoroso, vivia-se na idade do ouro, e que a partir desse momento tudo se foi degradando, foi involuindo. Tanto aqueles que vêem no passado a sua casa, como os que a vêem no futuro, têm um problema com a sua própria existência, pois esta apenas se dá no presente. A idade do ouro ou a idade de ferro apenas existem no presente, pois não há outro tempo que possamos habitar. Ninguém vive no passado ou no futuro, vive no agora. O resto são suposições fundadas na memória ficcional e na expectativa também ela ficcional. E agora é de noite.

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