segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Taxionomias pilosas

Comecei esta noite a ler Não Sou Stiller, um romance do suíço Max Frisch. Parece-me ter feito uma grande descoberta. O mais apropriado, por certo, não seria enfatizar a descoberta agora realizda, mas reconhecer com humildade socrática a minha enorme ignorância. Escrevi suíço e fiquei a pensar nas suíças, aquela porção de barba que certos homens deixam crescer nas partes laterais do rosto, também chamadas patilhas. De onde virá a designação? Das mulheres dos suíços? Um enigma. Ainda procurei, lendo em diagonal, no Signum SalomonisA Figa – A Barba em Portugal, de José Leite de Vasconcelos. Ora, Leite de Vasconcelos entrega-se a uma informada e exaustiva taxionomia das suíças, mas não tem clara a razão que conduziu a que se chamassem suíças às suíças, não às mulheres naturais da Suíça, mas às vulgares patilhas, nome vindo daquele sítio de onde não vem nem bom vento nem bom casamento. Para quem esteja interessado em meditar os velhos usos pátrios da pilosidade facial, deixo o Sumário do Capítulo III, do livro supracitado: Formas naturais e artificiais • Barba medrada e seus nomes • Barba aparada • Nomenclatura da barba, segundo as partes do rosto que esta ocupa • Uso de formas de barba, já avulsas, já combinadas entre si • O que é projecto • Explicações etimológicas. Eu, como narrador glabro, não irei reflectir na metafísica da suíça, do bigode, da pêra e da mosca. Retenho o cavanhaque, não pela estética da pilosidade, mas por me lembrar o cognac. Quando me sentei aqui, não tinha qualquer intenção de falar de pêlos faciais, mas, faltando-me um espírito científico, deixei-me, como uma criança, arrastar pela associação de ideias, uma associação por contiguidade, para ser mais preciso. Nunca imaginei que o célebre Leite de Vasconcelos, nas suas investigações etnolinguísticas, se tivesse interessado por tal tema, mas o mundo é feito de surpresas, e eu sou um mestre em lugares-comuns.

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