sexta-feira, 25 de julho de 2025

O Espírito

Fui tomar café com o padre Lodo. Chegou ontem, disse-me. Umas férias merecidas, gracejei. Claro, respondeu. Férias são sempre merecidas, embora não tenhamos propriamente férias, pois também não temos trabalho. Trabalhar é uma função; nós, homens da Igreja, temos uma missão. E uma missão nunca admite interrupções. Olhei para ele com ar divertido e perguntei se, naquele momento, também estava em missão. Claro, respondeu ele. Qual? A de me converter? Olhou-me e riu-se. Não são os homens que convertem os homens. Sou jesuíta — será preciso lembrar-lho? — e a nossa formação não nos permite tal grau de ingenuidade. O Espírito, acrescentou, fará o seu trabalho, onde e quando quiser. Desviei a conversa e perguntei-lhe pela estadia em Itália. Se havia mais Settembrinis. Disse-me que não, mas que a estirpe não está em vias de extinção. Apesar de se ter recusado a dar um contributo, retorqui, não sem um toque de maldade. Não seja inconveniente, resmungou. Os votos são para cumprir. Seja como for, não foi para esta conversa mole que lhe telefonei. Então? perguntei. Não quer marcar um jantar? Onde? Onde havia de ser? No sítio habitual, respondeu. Compreendo, o Espírito também se manifesta na qualidade da cozinha. Levou a chávena à boca. Depois — e aqui fez um gesto amplo da mão — disse: o mar é maior dos mistérios. Deixemos a cozinha de lado.

Sem comentários:

Enviar um comentário