Depois de todo este tempo, vi o meu neto ao vivo. Estava com
medo que fosse apenas uma presença virtual. Afinal, existe mesmo. Corre, cai, fala
uma estranha linguagem, cujas palavras já não consigo entender, pois não
pratico o idioma há muito. Não nos aproximámos, não peguei nele ao colo, não
lhe dei a mão. Não o levei a fazer experiências no mundo. Aproximámo-nos mas
ficámos afastados. O dia está cinzento e ninguém diria que é domingo, nem
qualquer outro dia da semana. O calendário indiferencia-se e as pessoas vão perdendo
fronteiras e esquecendo taxinomias. Ontem caminhei na serra. Havia pedras,
árvores, arbustos, trilhos para explorar aquele mundo meio selvagem. Havia também
sol e ar e outros caminhantes. A luz vacilava, um pássaro levantava voo, o
coração dos montes exultava. A mesma natureza que ainda ontem envelhecia, hoje
rejuvenesce redimida pelo triunfo sobre a morte. Substituo a frugalidade pela
perífrase e alongo-me em frases desabitadas pelo sentido. Numa rede social,
vejo um padre a oficiar, rodeado por um grupo reduzido e disperso de fiéis,
como se tivesse um poder secreto que lhe abrisse as portas do futuro. Não tem,
mas imagino-o à noite sentado na varanda e, enquanto contempla a serrania, esforça-se
para que os olhos penetrem no que ainda não aconteceu. Como eu, também ele está
cego. Hoje é domingo, dia 26 de Abril. O ano corre sobressaltado sobre um leito
estranho. Em algum lugar, um poeta escreverá um poema e um místico verá Deus ou
um poeta verá Deus e um místico escreverá um poema. Quem quer saber disso? O
melhor é ir dormir uma sesta.
Hoje também fui à janela de uma amiga cantar-lhe os parabéns!Ela adora abraços e beijos, custou-lhe imenso não se agarrar a nós. Mas aos miúdos, como lhes explicar isto? Devem achar que endoidecemos.
ResponderEliminar~CC~
Não vai ser fácil explicar aos que foram socializados em relações de proximidade afectiva, característica do sul da Europa. E também pode ser verdade que endoidecemos ou estamos a endoidecer.
EliminarHV