O enfolhamento das árvores caducifólias vai a bom ritmo, não
faltará muito para que a exuberância tome conta delas e as pessoas comentem o
quanto estão frondosas. Logo se recolherão na sua sombra, protegendo-se dos raios
desferidos por um Sol que se há-de tornar desabrido, senão mesmo inclemente. A
espécie humana tem o curioso destino de criar continuamente palavras. Depois
envolve-se nelas e pensa que fica ao abrigo das intempéries e da volubilidade
da natureza. Não fica, pois esta nunca se cansa de congeminar armadilhas para
capturar os seres humanos, humilhá-los na sua vaidade e submetê-los a leis que
eles não deram a si próprios. Não são pensamentos para se ter a uma
sexta-feira. Lembrei-me dos tempos em que ia a um restaurante ou ao cinema, mas
tudo isso foi há muito. Se a quarentena fosse apenas um espaço de quarenta
dias, tudo seria mais fácil, mas não. Quarentena é agora uma forma de existir e
não tarda uma maneira de ser. Deixamos de estar em quarentena e passamos a ser
a própria quarentena. Não estamos isolados, passamos a ser o isolamento. Enquanto
escrevo, vou bebendo água. Talvez tenha esperança de que a água me lave e
desinfecte por dentro. Oiço Hildegard von Bingen. Se fosse um filósofo teria
dito oiço a música de Hildegard von Bingen, não o sendo deixo-me levar pela
preguiça e caio no alçapão das metonímias. Penso, de imediato, que a metonímia
é mais verídica do que a expressão corrente, mas nada disso me salva de estar na
circunstância em que estou. Hoje é sexta-feira, dia 17 de Abril. O estado de
emergência vai continuar a emergir. Recebo um vídeo onde o meu neto aprende a trepar
para uma cadeira de adulto e logo tenta subir para uma mesa, mas a autoridade
diz-lhe que não se sobe para cima das mesas. O mundo está cheio de interditos.
Felizmente, diz-me a minha consciência.
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