O melhor é não crer naquilo que os olhos vêem. O que até ontem sempre me pareceu ser oliveiras apresenta-se hoje sob uma outra capa que, fora eu dado a crer em metamorfoses súbitas, diria que alguém trocou as árvores. Eu sei que a luz é senhora do mundo e basta que ela mude para que as coisas pareçam outras, e a luz de hoje não parece confiável a ninguém. Um dia destes, tenho a esperança, as oliveiras voltarão para o lugar que era o delas e aqueles simulacros que lhes ocupam os espaços serão levados para longe dos meus olhos. O principal problema de tudo isto é a dúvida para a qual sou de imediato arrastado. Não serei eu também um simulacro de mim mesmo? Não estou certo, mas inclinar-me-ia para a possibilidade disso acontecer rondar os oitenta por cento. Uma estimativa conservadora, dirá um especialista nestas coisas. Não sou eu, portanto, que escrevo, mas o simulacro de mim. A manhã não me terá feito muito bem. Hoje já videoconferenciei duas vezes, pensei em coisas práticas, logo eu tão pouco dado ao prático, e li coisas que não deveria ler. No mundo proliferem coisas ilegíveis, embora sejam as que mais leitores têm. Na consciência deixo correr as coisas que tenho para fazer esta tarde, mas logo o pensamento muda de agulha e se centra não no que devo mas no que desejo fazer. Uma tragédia esse eterno conflito entre dever e desejar. Observo com demora a rua e vejo o dia a cambalear tristonho e choroso pelas áleas escuras do tempo, como se o crepúsculo se devesse demorar hora sobre hora, incapaz de dar à luz a noite escura. Não me ocorre nada de assinalável para assinalar e o melhor é calar-me. Hoje é segunda-feira, dia 20 de Abril. Chove e o mês entrou no seu último terço. Um pássaro abusa do efeito de redundância na emissão da mensagem e do gira-discos, como sou velho, chega-me a voz da Montserrat Figueras e a música de Jordi Savall, no prodígio de misturar vivos e mortos que só a técnica consegue.
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