Oiço o deslizar do aço nas roldanas de um estendal de roupa.
Ao mesmo tempo, a porta de um carro bate ao fechar-se. Logo de seguida, é a
pressa de um outro na avenida que o faz roncar. Agora, há um silêncio tenso, prolonga-se,
expande-se, mas um pássaro chama por outro e a tensão dissolve-se, voltam os
ruídos do mundo, embora este se tenha tornado uma mera ideia, talvez uma ideia
da razão ou o produto do foco imaginário que há em nós. Há que treinar a
audição, desligá-la dos outros sentidos, fundamentalmente da visão, o mais despótico
dos membros do nosso aparelho sensorial. Não tenho nada para contar, mas isto nem será
uma grande novidade. Volto para a audição e entrego-me a jogos inúteis. Qual o
som do vermelho, qual o timbre do azul ao misturar-se com o verde, como soaria
o amarelo sob a luz inclemente do sol? Será, pergunto-me, a tentação da
sinestesia um sintoma de que estarei a enlouquecer? Chove. Nos sites dados à meteorologia vaticina-se
que assim será durante a semana. Esta é uma época favorável aos que se entregam
à antecipação do futuro. Consultam gráficos, modelam dados, discorrem sobre
linhas e curvas. Cada época tem a sua numerologia e cultiva o seu tarot. Também a estes prognosticadores
não poupo a admiração, pois eu nem consigo antecipar o passado ou vaticinar
sobre o que aconteceu. Fiquei preso dentro do presente e o presente é, ao mesmo
tempo, aquilo que não existe e a única coisa que existe. Deveria evitar o
paradoxo, pois não tarda começo a cultivar o oxímoro e a dizer coisas como o
ruído silente desta brancura negra que cai sobre a tarde. Hoje é segunda-feira,
dia 6 de Abril. As netas deveriam, em tempos normais, estar aqui. Este ano
estava programado que iniciariam o neto na caça aos ovos de Páscoa. É o que dá
os humanos fazerem programações.
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