Pego num livro que não li. Abro-o e vejo-o sublinhado e anotado por alguém com uma letra exactamente igual à minha, com NB à margem completamente idênticos aos que costumo fazer, até o que os NB salientam é aquilo para que chamaria a atenção. Não apenas alguém leu o meu livro sem me pedir autorização, como se apropriou da minha letra e das minhas idiossincrasias para me fazer crer que fui eu que o li e o destratei com sublinhados e anotações. É evidente que há outras explicações mais prosaicas para o sucedido, como por exemplo a de ter sido eu o leitor e ter-me esquecido do livro. São coisas que acontecem. No entanto, quem quer explicações tão prosaicas, tão incapazes de criar um mistério, talvez mesmo um milagre? Por exemplo, é possível imaginar que, quando me vejo ao espelho, do outro lado está alguém que me imita e que, aproveitando os meus sonos, salta desse mundo aliciano e se põe a ler os meus livros e a imitar a minha letra. É uma explicação menos prosaica que a do esquecimento e, por isso, muito mais verídica. Um leitor pouco dado à imparcialidade dirá que o estado de emergência não me tem feito bem, não o desmentirei, mas chamo-lhe a atenção que o mesmo pode acontecer com ele. O vento tamborila nas persianas, oiço ruídos que não consigo identificar e pergunto-me se irei caminhar pelas ruas da cidade, mas perdi o poder do vaticínio e não sei que resposta dar-me. Hoje é terça-feira, dia 28 de Abril. O mês foi parco em calores e nada augura que se modifique nos dias que lhe restam. Para dizer a verdade, sinto-me cansado, mas já não me lembro de quê.
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