De todos os dias da semana o que mais sofre da presente
indiferenciação será a sexta-feira. Funcionava, antes da instalação da era
viral, como um marco que anunciava uma transmutação no tempo, o fim dos dias
profanos, onde os homens se entregavam aos negócios que os imperativos da
necessidade e do desejo impunham, e a chegada do tempo sagrado do ócio ou de
qualquer festividade, nem que seja a festa de estar só, que havia de lhes dar
ânimo para que, chegada a segunda-feira, aceitassem que a míngua lhes reimpusesse
a canga e eles se entregassem ao ajoujamento que lhes mataria a fome. Olho para
a frase e descubro-a enorme, mas também eu estou indiferente à elegância da
escrita, à extensão das frases, ao acerto na escolha dos vocábulos, ao alinhamento das sílabas. De manhã,
sentei-me no chão de uma das varandas e fiquei ali a apanhar sol. Consta que
faz falta ao organismo. Nunca me imaginei numa varanda em tal função. Arrependo-me
de não ter comigo nenhum dos meus panamás, haveria agora de me dar jeito. Um
dia destes assim sou visto sentado à varanda com um chapéu feito de folha de
jornal, se por acaso ainda houver por casa algum. Oiço ao longe o barulho de
uma rebarbadora. Imagino-lhe o disco a girar a alta velocidade, a entrar no ferro,
ferindo-o, primeiro, ao de leve, para depois o decepar, ouvindo-se o tilintar
metálico da parte cortada a saltitar no chão, antes de se aquietar e imóvel entrar
no meu esquecimento. Os dias continuam a crescer, indiferentes à sorte dos
homens. Alguém manda-me uma mensagem com uma fotografia e pergunta se sou eu. Não
sou, o que me deixa mais tranquilo. Bebo água, espreito um vídeo em que o meu
neto faz umas experiências sobre o funcionamento do mundo e espero. Hoje é
sexta-feira, dia 3 de Abril. Uma nuvem tapou o sol e lembro-me de que este ano a
família não se reunirá no almoço de Domingo de Páscoa. As coisas são o que são.
Nada melhor que uma tautologia para engrandecer a pequenez da realidade.
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