Até que enfim. Depois de meses de disputa, a balança convenceu-se,
não sei se por piedade, a devolver-me, quando pisada, um peso próximo daquele
que me é recomendado naquelas equações entre peso e altura, talvez com idade a
entrar também no problema. Não se pense que isso se deve ao facto de há mais de
um mês não pôr um pé num restaurante, ou à dieta seguida em confinamento, ou
sequer à prática diária de quase uma hora de exercício. Há que evitar
interpretações maldosamente materialistas. Tudo aconteceu devido à meditação transcendental
e à recitação quase ininterrupta do mantra om
mani padme hum. Não se trata da ideia pouco espiritual de que se uma pessoa
recita um mantra não come. Pode ser verdade. A questão, porém, é outra. A
balança pensou, ao dar conta dos meus exercícios espirituais para combate ao excesso
de peso, que eu ia enlouquecer e, por um acto de misericórdia, começou a devolver-me
números mais afáveis, embora na semana passada tenha hesitado. Assinámos hoje,
eu e a balança, um armistício e, continuando ela assim, haveremos de celebrar
um tratado de não beligerância. O dia está semi-radioso, o céu é uma manta multicolorida
de retalhos, suficientemente esburacada para deixar passar um sol temeroso e
pouco convicto dos seus poderes. Na avenida, passam mais carros do que tem sido
habitual e um transeunte, que ainda não chegou a acordo com a sua balança,
arrasta um peso excessivo sobre a calçada, movendo devagar as pernas,
descansando sob a sombra das árvores, olhando estupefacto para um lado e para
outro. Oiço o barulho de garrafas a cair num vidrão e recordo-me de que fui
acordado pelo ronco de um corta-relvas de uma empresa de jardinagem que cuida
dos espaços públicos. É uma empresa muito preocupada com aquilo que as pessoas
podem fazer na cama ao sábado de manhã e, por isso, elegeu-o para enviar os
seus batalhões de cortadores de relva, com os tanques de combate. Hoje é
sábado, dia 18 de Abril. Os dias passam sorrateiros, a minha caixa de email
continua a ser bombardeada e o telemóvel mostra-me duas fotografias da minha
neta mais velha com um ano de diferença. Abro a boca de espanto, mas logo a
fecho. O tempo passa. Não há nada como um truísmo para acabar.
Balança amiga a sua, pronta a dar-lhe boas notícias. Da minha não sei há mais de um mês, mas costuma variar entre mais um ou menos um quilo, espero que se mantenha assim no meu regresso, não obstante estes abusos - nunca fiz tantos bolos e tanto pão.
ResponderEliminar~CC~
É uma situação propícia à tentação. O que me vale é o exercício que vou fazendo. Há quem diga que beber muita água, o que tenho feito, também ajuda a perder peso, mas disso nada sei.
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