A Primavera prossegue o seu caminho, um pouco desgrenhada. O
vento sopra, sopra, os ramos das árvores inclinam-se, mas logo voltam ao lugar,
pouco dóceis aos desígnios de Eolo. Passei a manhã a teletrabalhar e tenho a
tarde para resolver alguns problemas, mas são resoluções à distância, pois o
nosso próximo é aquele que se mantém ao longe. Começo a evitar as notícias, não
por elas, mas porque estão eivadas de profecias, vaticínios e augúrios. Nos
homens, o desejo nunca se cala, nunca se conforma com aquilo que há, nunca se
senta pacientemente à espere que chegue o que lhe pertence. Daí, abre a boca e
desata a fabricar futuros. Ora o futuro é uma coisa que me cansa tanto como o
presente, e este é o que se sabe. Vejo um vídeo do meu neto. Observo tudo o que
estou a perder, embora ele não dê por nada. Nos últimos dias não tenho visto
cinema e essa é uma alteração sensível. Outra é que também não tenho feito
palavras cruzadas. O que tudo isto quer dizer não faço a mínima ideia. Talvez a
maior parte das coisas que acontecem não queira dizer nada, limita-se a
acontecer e encontrar-lhe razões é um desporto que serve para mostrar a argúcia
do ego, uma vaidade. E aqui deveria dizer com o Eclesiastes vi tudo o que se faz debaixo do sol, e eis:
tudo vaidade, e vento que passa, mas não digo, guardo-o para outro dia, em
que não oiço o zumbir monótono de um aspirador. As acácias bastardas estão mais
compostas de folhas e na rua não passa ninguém. Daqui a pouco hei-de espreitar
as torres do castelo. Uma delas começa a ficar tapada pela ramagem de um
pinheiro manso. Hoje é terça-feira, dia 14 de Abril. O aspirador calou-se, os
pombos desenham círculos no ar e as horas desfazem-se em minutos, os minutos em
segundos e estes fiam o nada que a tudo envolve.
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