Nunca fui grande adepto de amêndoas da Páscoa, nas suas mais
variadas encarnações, mas hoje comi três, daquelas que são envoltas em
chocolate e canela. Talvez isso me parecesse um sinal de normalidade, talvez
não tivesse mais nada para fazer, talvez não tivesse qualquer razão. Nunca me
canso de louvar aqueles que têm sempre claras as suas motivações e distintos os
objectivos. Algures, num qualquer apeadeiro da minha existência, entrei em
conflito com a clareza e a distinção. Desconfio sempre dos meus motivos e há
muito que perdi o norte aos meus objectivos. Talvez os tenha vendido para serem
traficados numa qualquer feira da ladra. Tenho pena de quem os tenha comprado.
Na televisão vejo que é Domingo de Ramos e que o Papa celebra a missa numa catedral
vazia. Não tenho nenhuma interpretação para o acontecimento, apenas uma
descrição factual. Hoje o almoçou imitou os almoços dos domingos
pré-pandémicos, e nessa imitação vejo já um símbolo e não um mero facto. O que
se nos pede é talento para a mimese, o aportuguesamento da palavra causa-me um
leve arrepio, um exercício contínuo de ficcionalização. O dia segue o dress code do Inverno. Farda cinzenta e
aguaceiros persistentes, para afastar incautos, essa gente que deambula por aí
como sonâmbulos em busca de um sonho. Na minha secretária estão duas obras
cinematográficas de grande fôlego, O
Decálogo, de Krysztof Kieslowski, e Berlin
Alexanderplataz, de Rainer Werner Fassbinder. Não consigo decidir-me por
qual hei-de começar. Protelo a decisão. Talvez mais logo chegue a um acordo comigo
mesmo ou então faço exactamente o contrário do que decidir. Antes de almoço
contemplei o friso das orquídeas. Trinta por cento estão renitentes em florir. Nem
mesmo no reino vegetal há unanimidade, constato. Hoje é domingo, dia 5 de
Abril. O vento estremece as persianas e na rua uma chuva fina e acidulada fustiga
a cidade. A palavra plumitivo atravessou-me a consciência, mas não sei o que
fazer agora com ela. Talvez amanhã lhe dê algum uso ou não.
Amêndoas de chocolate com canela?! Adoro, talvez das que mais goste mesmo. Mas onde arranjou tal maravilha? Levam a casa?
ResponderEliminar~CC~
Também são das que mais gosto. Já tinham sido compradas antes do enclausuramento.
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