domingo, 7 de janeiro de 2024

A única moralidade

Desde a madrugada de 27 de Dezembro que a Gripe A, primeiro, e as suas sequelas, depois, me fazem viver assombrado pelo espectro da incomodidade. O corpo sente-se inapto e o espírito, colaboracionista e fraco, submete-se aos delíquios de uma entidade física incapaz de mobilizar energia suficiente. A situação não é dramática, apenas incómoda, mas existe uma incompatibilidade entre a cultura reinante e a incomodidade. Tudo se organiza para que a vida seja cada vez mais confortável, mas a natureza nem sempre está pelos ajustes e envia os seus batalhões para semear o caos e reduzir a pó as nossas expectativas. Em tudo isto poderia existir uma lição moral, que nos alertaria para o mal que se esconde por detrás do néon da vida fácil e aconchegada. Sejamos espartanos, diz-nos essa moralidade. A vida deve ser rude, para que o corpo não ceda perante os inimigos, visíveis ou invisíveis. A verdade, todavia, é que nós descendemos de Atenas e não de Esparta. A vida não é milícia contínua. Não queremos saber de moralidades assentes na rudeza marcial. O que desejamos é um bom analgésico que tire as dores, um anti-inflamatório, caso alguma coisa se inflame, ou um médico que nos receite um antibiótico eficiente, se for necessário. A nossa vida moral depende do receituário, e essa é a única moralidade que existe em tudo isto.

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