Albert Manguel, o conhecido autor de Uma História da Leitura, na Nota Prévia ao romance de ficção científica Solaris, de Stanisław Lem, afirma Na nossa arrogância só vemos o que queremos ver, vendando os olhos para o resto. A ciência elabora argumentos de ficção científica para nos consolar ou entreter, mas, na realidade, limita-se a dar respostas a expectativas tradicionais. Há nas palavras de Manguel uma insurreição contra o hábito. Nem a ciência escapa à submissão à tradição. Para completar a diatribe revolucionária, acrescenta Ficam por dizer o inimaginável, o impensável, o inacreditável. Ester ardor contra o instalado esbarra, como qualquer projecto revolucionário, com aquilo que se propõe. Dizer o inimaginável, o impensável, o inacreditável. Há dois equívocos neste programa. O inacreditável ocupa um lugar não despiciendo nos actos de fala e de escrita. Muitas são as coisas inacreditáveis que são ditas e escritas. Por vezes, são-no de tal modo que, apesar de absolutamente inacreditáveis, elas são acreditadas e multidões há que juram serem verdadeiras. Se há uma coisa que está no poder da linguagem humana é dizer o inacreditável. O segundo equívoco nasce do programa utópico de dizer o impensável e o inimaginável. A linguagem tem um vínculo com o pensado e o imaginado. Aquilo que não pode ser pensado ou, tão pouco, imaginado não pode ser dito e isto não se deve à submissão dos homens ao hábito ou a uma tenebrosa tradição, mas à natureza do impensável e do inimaginável. Contudo, a linguagem tem tido um enorme poder para trazer à expressão aquilo que ainda não tinha sido pensado ou imaginado, mas que, em última análise, não era ontologicamente impensável e inimaginável. Se a linguagem fosse sempre dependente de um hábito ou de uma tradição, o mais plausível seria que ainda não existisse uma verdadeira linguagem humana, mas apenas um sistema rudimentar de vocalizações que se repetiriam infinitamente, um sistema pré-babélico partilhado por todos os animais humanos. A confusão das línguas resultante da aventura de Babel não é outra coisa senão o símbolo de uma humanidade que procura trazer à linguagem aquilo que ainda não foi pensado ou sequer imaginado, mas que não é, por natureza, impensável ou inimaginável.
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