terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Sentido

Está um dia frio. Ontem havia sol, o astro dardejava os seus humores sobre a Terra, sem que esta, talvez por ser o primeiro dia do ano, se defendesse. Hoje não é assim. O planeta armou uma muralha de nuvens cinzentas e os raios que a atravessam apresentam-se sem força nem brilho. Retorno à realidade, embora com pouca vontade. Aliás, protelo o mais que posso esse retorno, mas ele é inexorável. Se chovesse, haveria menos frio. Não chove e os terrenos vão secando. Janeiro nem sempre é um mês fácil. Os outros também não. As nuvens, reparo ao olhar os céus, viajam apressadas, impelidas por um vento ansioso. Na praceta, não há ninguém. Tudo se cobre de uma melancolia sem nome, de uma tristeza tocada pelas cores sombrias nascidas no fundo negro dos corações. Procuro o sentido para todas estas coisas, mas não lhe encontro sentido algum. Sentido e coisas serão incompatíveis e repelir-se-ão mutuamente. Dizer coisas é equivalente a dizer coisas sem sentido. Dizer sentido é negar as coisas. Como numa auto estrada, existe uma via apenas para as coisas e outra via só para o sentido. Se o mundo for o somatório das coisas, então o mundo é destituído de sentido. Se o sentido repousa apenas em si mesmo, então é sentido de coisa nenhuma. Deveria escrever como um dia escreveu António Ferro: Entretanto, este constante turismo ao meu espírito, através dos rails das minhas frases, há-de fazer-lhe bem… Que Mademoiselle Y me perdoe esta última impertinência… Só não o escrevo, porque me falta o espírito, as minhas frases não possuem rails, e não conheço nenhuma Mademoiselle Y, infelizmente. Se a conhecesse, jurar-lhe-ia que nunca teria ela de me perdoar qualquer impertinência. Seria para ela sempre pertinente, para que ela me agradecesse com desvelo a minha pertinência. Talvez pudéssemos passear pelos jardins despidos do Inverno e esperar que os nossos corpos se tocassem para enfrentarem a rispidez do frio, a falta de empenho do Sol em fazer chegar até aqui o radioso das suas mensagens. Depois, teria de decidir se ela, a Mademoiselle Y, tinha sentido ou seria apenas uma coisa. Aqui, porém, estou a entrar um campo minado e o mais sensato é evitar deflagrações.

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