Anoiteceu. Os dias estão a crescer há mais de um mês, mas ainda são pequenos. A natureza progride lentamente, oiço-me pensar. Depois, rio-me. Não, a natureza não progride. Nela não há progresso nem retrocesso. Há apenas o acontecer, mas esse acontecer não significa nada a não ser o próprio acto de acontecer. Progresso e retrocesso só podem existir onde existe um sentido. É este que permite a existência de objectivos e finalidades, os quais são os marcos miliários, pelos quais se medem avanços e recuos. Ora, naquilo que apenas acontece não há avanços nem recuos. Pensar nisso, pensar que a generalidade das coisas apenas acontece, conduz a uma vertigem da nossa consciência, a qual se recusa a conceber que tudo pode ser destituído de sentido, incluindo ela e aquele em que ela vive. Um certo filósofo alemão do século passado, cuja fama não foi comprometida pelas ínvias opções que fez a certa altura da vida, alicerçou a sua glória na tese de que toda a história da filosofia é a história do esquecimento do ser, do esquecimento da pergunta pelo ser. Podemos pensar que esse ser esquecido não é outra coisa senão o puro acontecer sem qualquer significado senão acontecer. Será destituído de sentido fazer perguntas sobre aquilo que não tem sentido. Este texto é prova de que estou a entrar nos dias de ócio. Só a perspectiva da ociosidade me poderia levar a escrever coisa tão ociosa, tão destituída de sentido. Tivesse este narrador talento e teria escrito a apenas uma frase, aquela que Angelus Silesius, para sua eterna glória, escreveu, a rosa é sem porquê.
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