Janeiro, o mês que já esteve envolvido em chuvas e frios, abriu-se numa Primavera temporã, fechando-se ao negro das nuvens pesadas e ao fustigar dos chicotes do vento. Este desarranjo entre o clima e o calendário daria se não uma epopeia, pelo menos uma ode. Um autor preocupado com a deficiente gestão das estações acabaria por compor uma tragédia, onde um Édipo se haveria de cegar ou uma Antígona se entregaria à morte. Descubro que Frederico Lourenço, na sua tradução da poesia completa de Horácio, decidiu dar títulos aos poemas que os não tinham. Não comento a opção, mas não deixo de sorrir lendo [Trolando um arrivista]. Eis um título da nossa época, adequado a um tempo em que não faltam trolls. Bem Horácio pode escrever: Passeia lá, empertigado pelo teu dinheiro: / a riqueza não altera a linhagem. O empertigado arrivista fará o seu caminho e por muito que seja trolado pelas palavras, não deixará de ser ele a trolar quem passe diante de si. Por mim, aceito-me como um autêntico troll vindo do folclore escandinavo, um troll feio, desagradável e burro. Cada um distingue-se como pode e o meu caminho da distinção é esse. Contra factos não há argumentos, embora a maior parte das pessoas acredite que contra argumentos não existem factos que lhes resistam. Em suma, Janeiro está a ser trolado não sei se por um arrivista, se por um santo cansado da gestão do clima. Que se reforme, se for esse o caso.
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