A meio da manhã fui a uma grande superfície. Quando ia para sair, chovia desalmadamente. Sem guarda-chuva que me protegesse corpo e alma, guardei-me da chuva indo até ao sítio, também grande, onde existe um posto dos CTT, um centro de cópias, melhor de fotocópias, venda de material de escritório e escolar, assim como de brinquedos e também de livros, em quantidade apreciável, diga-se. O desolador, porém, é constatar aquilo que anima o comércio livreiro. A quantidade de lixo publicado em forma de livro é extraordinária. Imagino que essas publicações substituíram as antigas fotonovelas Corin Tellado e outros títulos do género. A minha desolação não deriva desses livros serem publicados em abundância, mas de continuar a haver procura. Havendo procura, logo haverá quem esteja disposto a produzir a oferta que responderá ao desejo. A desolação nasce da constatação de que um aumento exponencial da frequência escolar não alterou o gosto, nem produziu gerações mais interessadas naquilo a que se pode chamar, talvez com presunção, alta cultura. Ao contrário do ensino, a excepção não se democratiza, e procurar o excepcional parece não fazer parte daquilo que se ensina. Olhava para as estantes e por cada romance digno desse nome havia mais de cem que não passavam de um renovamento das antigas fotonovelas, agora sem fotografias. Talvez o progresso esteja aí, na transição da curta legenda pespegada numa fotografia para centenas de páginas de texto sem imagens. O problema que ruminei ao ver aquele papel cheio de palavras foi o de saber quantas gerações serão necessárias para que a quantidade se transforme em qualidade. Talvez essa ideia não passe de uma ilusão dialéctica. Seja como for, cada um lê o quer ou pode, pois é isso o que pressupõe uma certa interpretação da liberdade. Esta ruminação melancólica demorou o suficiente para deixar de chover e poder fazer-me ao caminho, já que a farmácia me esperava, embora ela não o soubesse. Uma visita de surpresa.
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