Há muito tempo havia um programa de televisão dedicado à animação, da responsabilidade de Vasco Granja. As obras viriam um pouco de todo o mundo, mas tenho a sensação de haver um peso significativo de filmes provenientes dos países de leste, daqueles que estavam para lá da Cortina de Ferro, uma equívoca metáfora, diga-se. O ferro tem a tendência irreprimível para se tornar em ferrugem e duvido que uma cortina ferrugenta fosse, efectivamente, uma cortina. Deixemos estas considerações sobre as metamorfoses dos materiais de lado. Por norma, não consumia o que passava naquelas sessões. Já não teria idade. Há um filme, uma animação curta, dos poucos que terei visto nesses programas, que nunca esqueci. Era um mundo habitado por duas espécies de seres. Uns eram construtores, passavam a vida a construir coisas. Os outros eram destruidores e ocupavam-se a destruir aquilo que os construtores construíam. Estes ficavam infelizes, talvez irados com a malevolência irritante daqueles que reduziam a pó o seu trabalho. A certa altura, porém, os destruidores tiveram uma epifania e converteram-se ao bem. Decidiram nunca mais destruir o trabalho dos outros. A princípio, os construtores ficaram felizes pela conversão. Com o passar do tempo as construções acumularam-se e o trabalho dos construtores tornou-se excessivo. A vida de construção perdeu sentido. Restava aos construtores rogarem aos destruidores que voltassem à acção. Qual a moral da história, perguntar-se-á. Como vivemos numa época onde o relativismo é o credo do dia, a única resposta sensata será dizer que cada um tire da história a moral que lhe aprouver. E se não lhe aprouver tirar alguma lição de tão metafórica história, então não tire. Como se vê, este narrador é muito liberal.
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