Inadvertidamente, dei por mim a ouvir Les Anarchistes, na voz de Léo Ferré. Que conjunção astral se terá
desenhado para que isso acontecesse, não sei. Os desígnios dos astros são ainda
mais obscuros que os de Deus. A verdade é que lá estava a voz inconfundível do
cantor a prestar tributo aos anarquistas espanhóis. Lembro-me bem daquela
figura vestida de preto, a cantar solitária, num cenário vazio, em concertos
transmitidos pela RTP. Dizia-se na época, coisa que nunca confirmei, que para
além de viver num castelo, Ferré era anarquista. Talvez vivesse e talvez fosse.
Ora os anarquistas são como aqueles clubes de futebol de que toda a gente
gosta, mas que ninguém leva a sério. Por exemplo, simpatizo com o Belenenses e
com a Académica de Coimbra, mas… Com o anarquismo, nem isso. Li Piotr Kropotkin,
as coisas que uma pessoa lê, mas acho que nunca li Mikhail Bakunin. O que li
mesmo foi G. K. Chesterton e a novela O
homem que era quinta-feira. Quinta-feira era um polícia infiltrado numa
terrível organização anarquista. O comité central da organização era composto
por sete membros e cada um tinha por pseudónimo o nome de um dia da semana. Ora
o que quinta-feira vai descobrir é que ele não é o único polícia infiltrado na
tenebrosa organização anarquista. Todos os membros do comité central eram
polícias infiltrados e, tanto quanto me lembro, o domingo acumulava a chefia do
grupo e o da polícia. Para mim, numa noite de sexta-feira, o anarquismo confunde-se
com um livro de Chesterton lido há décadas. Como é possível dizer isto e ser
verdade?