Medito nas razões para que, nesta noite de domingo, tenha
decidido escutar a meandrosa música de Carlo Gesualdo, o príncipe de Venosa, o
torturado e tortuoso assassino da sua primeira mulher e do amante desta. Oiço Tenebrae Responsoria, o que não deixa de
estar adequado com a minha hora e o espírito do autor. E, no entanto, desta música
desprende-se algo tão luminoso – do mais luminoso que o Renascimento nos
oferece – que consegue rasgar as trevas e dar a ver a vida na sua totalidade,
nessa mistura conflituosa de dia e noite. E pela música, mais uma vez, sou instruído
que a noite contém uma luz bruxuleante, mas que o dia da amanhã também traz em
si a negra noite, como se a vida não fosse mais do que um perpétuo jogo entre
potências que nos ultrapassam e de nós dispõem sem grande respeito pelo nosso
livre-arbítrio.