Desloco-me pouco dentro da cidade. Os caminhos que preciso
de percorrer em Torres Novas não o exigem. Esta tarde, porém, depois de ir
visitar a minha mãe, atravessei a ponte do Raro e dei uma volta pelo centro.
Como se tornou hábito, sempre que o faço, desce sobre mim uma melancolia que
nem a luz, ainda tão clara, consegue disfarçar. É como se tivessem roubado o
espírito da velha vila onde cresci. A memória retém imagens de bulício,
cenários de uma vida real marcada pelo ardor com que a esperança traçava um horizonte,
para onde a existência de cada um se dirigia. Agora, mesmo nos melhores
momentos, há uma sensação de tristeza e de abandono. É necessário fazer um
esforço para perceber que as pessoas que avistamos são reais e não meros
simulacros. É um exercício penoso viver entre fantasmas, ser um fantasma entre
fantasmas, pensei, enquanto dirigia o carro para longe daquele espaço onde, há
muito, houve uma vila que transportava, orgulhosa, séculos, talvez milénios de
história.