Há dias que algumas ruas da cidade foram tomadas pelas
iluminações natalícias. Atravesso-as atónito, não sabendo o que pensar desta proeza
que todos os anos temos de suportar com benevolência e cuja finalidade não
deixa de ser um enigma. Foi para isto que o filho de Deus escolheu vir ao mundo
na penúria do presépio, pergunto-me, enquanto o carro rola ao sabor do
trânsito. Nos passeios, os peões são sombras que a noite vai apagando. Já nem
um mês falta para a consoada, penso, enquanto se insinua a memória dos que nunca
mais estarão presentes. E uma nostalgia de um Natal autêntico assoma. Um Natal
feito de silêncio e de contenção. Um Natal em que os homens pudessem perceber o
mistério que o envolve e os envolve. Faço uma rotunda, endireito o carro. Um
cão ladra distraído, enquanto um casal de namorados passa envolto na tristeza que
é a sua. Quem quer saber de mistérios? Travo numa passadeira e penso que
deveria fazer o caminho a pé. Encolho os ombros. As iluminações gritam numa
girândola de cores, enquanto um anjo desce e diz-me que, se não apagarem as
luzes, não haverá Natal. Com tanta luz, o Menino recusa-se a nascer. Não deveríamos
tentar os deuses, digo para comigo.