Por um motivo que não vem ao caso, e estando ocioso, comecei
a interessar-me, ainda que incipientemente, por lógica modal, a qual envolve
proposições onde se afirma a necessidade ou a possibilidade de algo. Estava
assim neste ócio, quando olhei para a rua e vi um sol desmaiado a cair sobre os
prédios exaustos, cujo esboço desliza, como uma sombra delida, ante mim. A luz
da lógica é como um sol exuberante, pensei. Contudo, a vida é sombria e o sol,
por vezes, não tem a luz necessária para a iluminar. E enquanto os pombos
voavam de prédio para prédio e as pessoas, lá em baixo, passavam envoltas no
domingo, lembrei-me de um livro de Milan Kundera, A Arte do Romance. Faz ele notar que o romance moderno é
contemporâneo do nascimento da filosofia moderna. À evidência e certeza
cartesianas, o romance traz-nos aquilo que não é necessário, nem certo e muito
menos evidente. Traz-nos o sombrio e o não racional. Não é o romance filho do
Quixote? Ao ouvir uma sirene, uma dúvida, porém, assaltou-me. Há quem pense que
os romances tratam da possibilidade, que os mundos romanescos são mundos
possíveis. Talvez a lógica modal tenha pregado uma partida à arte do romance, e
a tenha reconduzido, apesar da resistência, ao redil da razão. E perante essa
possibilidade, soltou-se da minha boca a jaculatória: valham-nos os oximoros
dialécticos do Pessoa. Amén.