Sem interlúdio, transitámos de um Verão agreste, pesado e funesto
para o Verão de S. Martinho. Imagino que ali ao lado, na Golegã, a azáfama seja
grande. É um mundo que nunca exerceu qualquer fascínio sobre mim. Por vezes,
fazia visitas etnográficas, mas a etnografia deixou de me interessar há muito.
Sou um péssimo ribatejano, confesso. Prefiro ficar a ver o sol a iluminar o
silêncio da manhã e a ramagem das árvores a ser sacudida por uma brisa ligeira
que se desprende da Serra de Aire. Há mais verdade no vento que desce da serra
do que no trote dos cavalos num concurso hípico. E rio-me deste pensamento absurdo. Uma sirene interrompe-me o devaneio, e logo avisto uma ambulância a
correr para o hospital. Também eu, um dia qualquer, posso ir de urgência para lá.
Encolho os ombros. Poucas são as coisas que estão na mão dos mortais e mesmo
essas são incertas. A tarde chegou mansa e recordou-me que há muitos, muito
anos, a esta hora, estaria na Igreja de S. Pedro, na missa do meio-dia. Talvez
o mundo, naqueles dias, fosse mais perfeito. Ou talvez fosse igual ao de hoje.
Eu é que perdi a paciência para a homilia.