Tenho sempre na secretária um livro que, apesar de
fastidioso, consulto, a mais das vezes ao acaso, para minha instrução. Trata-se
de Elementos de Retórica Literária. Abri-o há pouco e vieram até mim as páginas
que tratam da lítotes e da hipérbole. Estas coisas não interessam a ninguém,
mas eu tenho uma acentuada inclinação por coisas que não interessam a ninguém.
Enrolo-me nelas e, enquanto as pessoas sensatas tratam de coisas que interessam
a alguém, eu fico por aí a cultivar inutilidades. Espero que elas me iluminem e
me contem um qualquer segredo, mas elas são avaras. E estava eu de volta da
hipérbole pura e da hipérbole combinada, a meditar no exagero da sua sovinice,
quando, ao mudar de página, caem umas requisições de livros feitas numa
biblioteca de Lisboa há 20 anos. Não apenas me confirmam a minha obsessão pelo
inútil como me atiram para dentro de um passado que se tornou tão inútil quanto
o meu amor, não pequeno, por lítotes e hipérboles. E chegado aqui, hesito se
fico na contiguidade da metonímia ou se vou à janela ver se chove. De
preferência, hiperbolicamente.