Depois de um dia excessivo que se esvaiu entre reuniões e o
magno problema do livre-arbítrio, dou comigo, quando, noite cerrada, atravesso
a cidade em direcção a casa, a pensar, movido por um interesse recente, no
chamado paradoxo da pedra. Será possível Deus criar uma pedra que nem Ele
consiga erguer? Se não conseguir criar essa pedra, então não é omnipotente. Mas
se conseguir criá-la, também não é omnipotente pois não será capaz de a levantar.
Em vez de tentar descobrir a solução do paradoxo, medito, ao subir o viaduto,
ali mesmo onde o rio é mais frio, que os homens, neste particular, são muito menos
problemáticos que Deus. Têm tendência a criar pedras que, em pouco tempo, nem
uma multidão erguerá. Livres do atributo da omnipotência, não são enredados em
paradoxos. Contudo não deixa de ser, para mim, um mistério a propensão
humana para criar aquilo que o há-de esmagar. O dia pesa-me toneladas e a noite
promete não aliviar o peso que desaba sobre os meus ombros.