Cheguei à janela e pensei: um tempo de tréguas. Até as ruas
me pareceram mais belas sob a luz cinzenta da manhã. Os carros, de vidros abertos,
passavam lentos, como se os condutores não quisessem perder o fresco que caía. Os
peões moviam-se com uma rapidez inesperada, numa cadência que só a sensatez da
meteorologia permite. Um belo dia, disse para comigo. E voltei para aquilo que
me ocupa. Sentei-me, mas como muitas vezes acontece, os olhos fecharam-se e um
mundo tecido de imagens assalta-me antes mesmo que tenha a possibilidade de o
enxotar para longe. Vejo carros que já não existem, pessoas que morreram há
muito, a velha ponte do Raro ainda sem o infeliz acrescento que a atormenta. E
ali, no meio dela, lá vou eu, sem pressa. Sei que pararei na montra de uma loja
e ficarei a olhar a capa dos livros que, contra a ordem das coisas, ali estarão.
Uma camionete dos Claras passa, largando uma baforada de fumo negra. Tusso e o
cheiro desperta-me. A realidade, em cima da secretária, espera impaciente por
mim. Não há coisa mais irreal do que a realidade, rosnei.