Um oftalmologista desavisado decidiu
receitar-me óculos com lentes progressivas e assim substituir os três pares de
óculos que compunham a minha colecção. Uns para ler, outros para o computador e
outros ainda para ver ao longe. Ainda argumentei que, provavelmente, não me
iria dar bem com a progressividade – ou o progressismo – das lentes, mas ele
insistiu, perorou sobre as manobras que tinha de fazer para gerir tantos
óculos, e eu cedi. Vendo-me vencido acrescentou que tinham de ser umas lentes
de uma certa marca especial e não dessas que saem mais em conta. Deu uma
explicação técnica que me soou como se fosse chinês. Vendo o meu ar incrédulo
ou estúpido, disse-me: olhe, é como comparar um Mercedes com um Renault 5. Num
Renault 5 também vai a Lisboa, mas não é a mesma coisa. Pois não, assenti,
entre divertido e ingénuo, imaginando-me já a conduzir umas lentes topo de gama.
E lá comprei os óculos com lentes tipo Mercedes. O resultado nunca deixa de me
espantar. Se quero ler, deixo o Mercedes na garagem e vou num velho Renault 5, de
lentes riscadas e que só serve para ver ao pé. O pior, porém, não é isso. Há
pouco decidi ir de lentes Mercedes à rua e pensei que tinha enlouquecido. O que
era uma rua normal, agora parecia-me estar cheia de crateras. Ao avançar, via
um grande desnível, calibrava o pé para esse desnível, mas não havia cratera
nenhuma e o passo saía em falso. Por duas vezes ia caindo, enquanto tentava
andar sem espreitar para o chão. Ao fim de cinco minutos, decidi que o melhor
era pôr os óculos de lentes Mercedes de lado e andar mesmo a pé. A viagem é
mais segura e Torres Novas deixou de me parecer uma cidade da Síria após um
bombardeamento.