quarta-feira, 5 de setembro de 2018

As horas


Hoje, ao atravessar a cidade, senti-me perplexo, como se, de um momento para o outro, me tivesse perdido em ruas que percorri vezes sem conta. Quando, passados instantes, recuperei o sentido de orientação, não deixei de me interrogar sobre a razão desta súbita incongruência. As coisas aqui quase não mudam e quando o fazem é porque se tornam decrépitas. Deixa-se o tempo marchar sorrateiro sobre as casas e estas, lentamente, começam a desfazer-se, sem que ninguém dê por isso. Então, tudo se torna tão irreal que, mesmo o mais sólido dos seres humanos, não resiste e se perde no poço fundo daquilo que conhece, esse abismo onde a memória se esfarela e se entrega a corrupção trazida pelas horas, essas deusas vingativas que não largam os homens e as suas pequenas obras.