sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Tiranias


O único bem que um ser humano dispõe é o tempo, essa duração cujo segredo os deuses nunca revelam, ponderei ao sair de casa. A manhã estava fresca e permitia que o cérebro se dedicasse a pensar, exercício que deveria distinguir a nossa das outras espécies. Enquanto ia meditando, olhava para as pessoas. Apressadas, quase corriam, como se temessem não a falta de tempo mas o calor que, lá mais para o fim da manhã, haveria de irromper para esmagar o cérebro e o coração de cada um. E enquanto deixava o carro deslizar, o pensamento fluía como as águas de um rio, por vezes sobressaltava-se, outras era tomado pela certeza. E assim caminhava, entre dúvidas e convicções, para a foz, esse momento em que alguma coisa se revela. Não há maior tirania do que dispor do tempo dos outros a seu bel-prazer, murmurei entre dentes. Pobre país este em que o prazer maior está em roubar o tempo dos que não se podem defender. No semáforo, um carro travou mal caiu o amarelo. Quase ia batendo e, nessa preocupação, tudo se dissolveu. Talvez o pensamento não seja uma vantagem competitiva, talvez não.