O único bem que um ser humano dispõe é o tempo, essa duração
cujo segredo os deuses nunca revelam, ponderei ao sair de casa. A manhã estava
fresca e permitia que o cérebro se dedicasse a pensar, exercício que deveria
distinguir a nossa das outras espécies. Enquanto ia meditando, olhava para as
pessoas. Apressadas, quase corriam, como se temessem não a falta de tempo mas o
calor que, lá mais para o fim da manhã, haveria de irromper para esmagar o
cérebro e o coração de cada um. E enquanto deixava o carro deslizar, o
pensamento fluía como as águas de um rio, por vezes sobressaltava-se, outras
era tomado pela certeza. E assim caminhava, entre dúvidas e convicções, para a
foz, esse momento em que alguma coisa se revela. Não há maior tirania do que
dispor do tempo dos outros a seu bel-prazer, murmurei entre dentes. Pobre país
este em que o prazer maior está em roubar o tempo dos que não se podem
defender. No semáforo, um carro travou mal caiu o amarelo. Quase ia batendo e,
nessa preocupação, tudo se dissolveu. Talvez o pensamento não seja uma vantagem
competitiva, talvez não.