O dia está viscoso, concedi, ao sentir o ar da rua tocar-me
a pele. De imediato se formou uma associação. Esse visco que adere aos corpos é
uma armadilha para capturar que tipo de aves? Será que ainda se sabe que se
utilizava visco para apanhar pequenos pássaros, os quais, de pés colados à
mistela, se entregavam não sem resignação ao destino? Não é que eu o tenha
feito, pois nunca fui dado à ornitologia ou mesmo a qualquer interesse pelo
mundo dos animais, mas havia quem se entretivesse a capturar, com esse ardil de
passarinheiro, pequenas aves. O destino destas nunca o soube. Uma coisa sensata
a de evitar excesso de informação sobre coisas que não nos dizem respeito. E,
perdido nestes pensamento, fui-me encaminhando para uma superfície comercial,
uma daquelas que enxameiam a cidade, cruzando-me com gente desconhecida, o que
me levou à constatação de que são cada vez menos as pessoas que conheço. Entrei
por uma daquelas portas que, guiada por um olho inexorável nascido do cérebro
de um bisneto de Bentham, abrem automaticamente. Fui apanhado pelo visco.
Afinal, o pássaro a capturar era eu, pensei não sem resignada condescendência
para com o meu destino.