sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Ser estrangeiro


Quase no início do seu livro sobre Constantinopla, Théophile Gautier assevera que “para se viajar num país é preciso ser-se estrangeiro: é a comparação das diferenças que produz as observações”. Será também isso válido para as cidades? Como poderei observar a cidade – o castelo, a praça 5 de Outubro, a avenida marginal, as águas do Almonda, o velho casario – já que não sou estrangeiro? Talvez Gautier, quando publicou o seu livro, não tivesse ainda idade suficiente para perceber uma outra coisa, para compreender que “o passado é um país estrangeiro: lá, fazem as coisas de modo diferente” (Leslie P. Hartley, Go-Between). E é assim, por ser alguém mais do passado do que do presente, que me sinto estrangeiro na minha própria cidade, caminho por ela e as observações nascem da comparação entre essas duas pátrias que o tempo afasta irremediavelmente uma da outra. A avenida, com os seus castanheiros e o jardim a bordejar o rio, já não é a mesma avenida, nem a Praça que há pouco vi é a mesma praça que frequentei há muitos anos. Vim desse passado, onde as coisas se faziam do modo diferente, e por isso sou cada vez mais um estrangeiro. É só uma questão de tempo para que qualquer um se torne estrangeiro na sua própria terra.